Volto a reler as tão comentadas 'Cartas Portuguesas', atribuídas a Mariana Alcoforado, a freira de Beja.
Para além do contexto específico que as motivaram, as Cartas constituem, enquanto objecto de estudo ou apenas de fruição estética, um exercício de escrita sobre a linguagem feminina, isto é, permitem-nos, ainda hoje, um olhar sobre a amplitude semântica da palavra. O texto de Mariana Alcoforado constrói-se, sobretudo, como uma inquieta e permanente interrogação da perplexidade feminina perante um mundo que continua codificado por referências masculinas.
Monólogo circular do discurso amoroso sobre uma impossibilidade consumada, as cinco cartas de Mariana não são senão um longo e último adeus, íntima evidência repetida mais para si própria do que para o amante.
Metáfora, por isso também, da incomunicabilidade - mesmo no amor - e da resignação, enquanto espaço sufocado de revolta, o universo feminino que atravessa este discurso é paradigmático de uma vivência marcada por uma diferença radical em contraponto com o universo masculino.
É essa radical diferença - que sobrevive acualmente num espaço só aparentemente comum - de postura, de mobilidade e de decisão que circunscreve, ainda hoje em dia, a fragilidade da mulher, redutoramente enquadrada nas múltiplas áreas profissionais, políticas e sociais em que se integra e age.
sábado, 6 de março de 2010
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"Metáfora, por isso também, da incomunicabilidade - mesmo no amor - e da resignação, enquanto espaço sufocado de revolta, o universo feminino que atravessa este discurso é paradigmático de uma vivência marcada por uma diferença radical em contraponto com o universo masculino." Será que as diferenças tenderão a manter-se ainda hoje? Se sim, tornar-se-ão antagonismos insuperáveis?
ResponderEliminarAmiga do casaco amarelo, lembras-te? E do furacão? E de ficares toda estrossegadinha?
ResponderEliminarFantástico. Gosto. Apenas juntaria uma foto das tábuas da Mariana.
Abraço grande.
Mira
Acho que sim, que muitas das diferenças tendem a manter-se, são as estruturais, intrínsecas, não necessáriamente como antagonismos insuperáveis. As múltiplas variações individuais permitem decerto , ainda e sempre, encontros únicos.
ResponderEliminarAh, amiga do casaco amarelo !Cá fica a sugestão...Abraço.
"Atão"!? Isto tem de ser alimentado todos os dias, ou quase. De outro modo goram-se as expectativas dos leitores. Bêjos
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