...não, não é aquela que foi encomendada para o grande refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie por um dos Sforza e a que Leonardo terá dedicado cinco anos da sua vida - lá está ainda, com Cristo no meio dos doze discípulos, antecipando já a agonia do fim, a traição de Judas... não, nada disso! A 'minha' mesa de deus ficava na cozinha da minha avó Ti Francisca. Era uma pequena mesa de madeira carcomida, com marcas de corte das facas com que preparava as couves para a saborosa sopa de hortaliça que apurava pela tarde fora e cujo 'olhinho' estava religiosamente guardado para o meu avô. Era usada todo o dia, desde o café da manhã até aos serões de depois do jantar, quando nos juntávamos a ouvir contar as histórias de lobisomens à luz do candeeiro a petróleo... já, ao fim da noite,no regresso às casas de cada um, nos acotovelávamos pelas escadas cheias de sombras, onde cresciam gigantes e almas-do-outro-mundo, aqueles mesmos que haviam de povoar os nossos sonhos pelas noites dentro.
Era à volta dessa mesa que,na dança das diferentes horas do dia, a minha avó circulava, preparando e servindo refeições, conversas, histórias, gostos e desgostos com quem entrava e saía...por ali passavam ,todo o santo dia, irmãos, cunhadas, filhos e filhas, marido e netos - e havia sempre um talo de couve, um pão com banha corada, um conduto , uma tangerina, um nada-quase-tudo, que nos agarrava à sua saia, até que uma traquinice lhe fazia soltar, num ralhete, a palavra proibida, que rematava sempre com a expressão com licença da mesa de deus...
terça-feira, 9 de março de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Quanta ternura nos fica na memória do que fomos?
ResponderEliminara anónima de cima sou eu, não sei porque não fui reconhecida à mesa hoje...
ResponderEliminar